“Quem avisa amigo é.”

Lembro-me de, quando muito criança ainda, ouvir dos mais experientes: “Quem avisa amigo é…” Avisar que há um buraco no final da esquina, que a rua não tem saída, que é com o erro que se aprende… Avisar que um bandido não pode ser gerente da quitanda, que a raposa não pode cuidar do galinheiro… Pois é essa, também, uma das terríveis e dolorosas funções do jornalista – pelo menos, os com quem aprendi – no sentido de, pelo menos, advertir: “Cuidado, já conhecemos essa história. Segundo Hegel, ela se repete sempre, pelo menos duas vezes.” E Marx completou: “a primeira vez, como tragédia; a segunda, como farsa.”
Estamos vivendo essa repetição da história ao mesmo tempo como tragédia e como farsa. Por culpa de quem? Ora, de quem! Culpa nossa, da maioria do povo, da irresponsabilidade de brincar com valores essenciais, como a democracia, a religião, a família, a razão. Inteira e absoluta culpa nossa, por não alimentarmos a sabedoria de ouvir quem precisa ser ouvido. E essas coisas, escrevo-as agora – sim, em angústia insuportável – ao dar-me o direito de publicar um texto que, quando professor universitário, tentei transmitir a meus alunos, e nunca soube quem entendeu. É um estudo do notável Edward Shils, consagrado educador e filósofo, ainda em 1983. Atentemos para o ano: 1983!
A seguir:
“Sociedade de massa é uma sociedade territorialmente extensa, com uma grande população, altamente urbanizada e industrializada. O poder está concentrado nessa sociedade e grande parte dele toma a forma de manipulação das massas por meio dos meios de comunicação de massas. O espírito cívico é fraco, as lealdades de uns para com os outros são poucas, a solidariedade primordial é virtualmente inexistente. Não há individualidades, apenas um egoísmo incansável e frustrado. (…) a desordem pública é refreada pela manipulação da elite e pela estupidez apática das massas. Esse idiotismo só é quebrado quando, num estado de crise, as massas reúnem-se em torno de um demagogo.”
Meu Deus! Já fomos avisados por Buda, por Confúcio, por Lao Tse, por Jesus Cristo, por Francisco de Assis, Maomé, Lutero; estamos sendo avisados por esse incansável Francisco que aí está – quem mais falta? Ai de nós, que preferimos ouvir Hitler, Stalin, Mussolini, Médici, Perón, Salazar – a loucura suicida. Ai de nós, “sociedade de massa reunida em torno de um demagogo”, tenha lá o nome de Putin, de Trump, de Bolsonaro.

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Cecílio Elias Netto

Cecílio Elias Netto

Jornalista e escritor

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