Um terreno que é um latifúndio
A Nova Piracicaba – bairro encantador – surgiu da iniciativa da Cia City, de São Paulo, em uma vastidão de terras no Engenho Central. Foi em 1970. A companhia contratou, então, o já brilhante arquiteto piracicabano, João Chaddad, para criar o notável projeto. E, como capitão do empreendimento, o saudoso e competente Geraldo Quartim Barbosa.
Foi uma verdadeira epopeia, num momento em que o Brasil se jactava de um desenvolvimento que empolgava o mundo. No auge – não nos esqueçamos disso – da ditadura militar, presidida por Garrastazu Médici. Era o “Pra frente, Brasil, Salve a Seleção” – maravilhosamente Tricampeã do Mundo. A Nova Piracicaba nasceu naquele contexto, mobilizando a população, encantando os que desejavam aquele outro “modo de morar”. E, também e obviamente, os chamados “investidores”, num país em que investir e especular têm o mesmo significado. Comprar terrenos para “estocar”, é, isso, investir? Ou investimento tem que se acompanhar de um sentido social? Ora, progresso apenas existe quando, nele, houver um sentido ético. Caso contrário, não. Ou pode ser chamado de progresso o enriquecimento dos traficantes?
Desde aquele 1970 – e, portanto, há 50 anos! – há terrenos vazios também na Nova Piracicaba. Isso não é novidade, pois ocorre no mundo todo. O que entristece, porém – para revelar o mínimo sentimento – é ver um deles que parece um latifúndio dentro da cidade. E não me venham dizer de livre iniciativa, de propriedade particular, do direito de ter coisas! Não mo digam, especialmente agora diante de tanta fome, miséria e doenças!Claro que isso existe e tem que ser defendido. Mas a propriedade tem, antes de mais nada, uma profunda função social. E não foram Marx e Engels que o proclamaram. Nem se fale seja “coisa de comunista”. Está plenamente objetivado também na Constituição Brasileira.
Simples demais para ser ignorado até mesmo pelos que, convenientemente para sua ambição, apegam-se à própria ignorância. Acabou-se, já há décadas, a era de entender-se a propriedade apenas sob o caráter individualista, quando o Estado Liberal acenava com o direito de fazer tudo, incluindo, também e portanto, o “fazer nada”. Neste, a tradição era patrimonialista, individualista, absolutista. Ora, não há se discutir o direito à propriedade. Mas há, sim, que se começar a pensar no verdadeiro, justo e constitucional direito de adquiri-la.
Aquele terreno imenso – fala-se de 100.000 ms2 – na Nova Piracicaba não apenas entristece, mas provoca indignação. E poderá instigar – não sejam inteligentes os seus proprietários – as massas. Por que não lhe dar utilidade ao invés de ficar apenas como estoque, como especulação? Por que não lhe dar valor social? Por que – como simples exemplo – não se construir um grande parque temático, hortas comunitárias, áreas de lazer, um horto?
Ora, um latifúndio urbano, inútil, vazio, estéril, convenhamos: é uma afronta! E não há liberalismo que o justifique. Pois o Liberalismo não é burro. Muito pelo contrário.É perspicaz, inteligente, adaptável a cada mudança histórica. O verdadeiro empresário liberal sabe perder os anéis quando percebe que poderá perder os dedos… Já está acontecendo.
Cecílio Elias Netto
Jornalista e escritor