A vergonha que falta

Permanece viva a clássica frase do escritor Thomasi di Lampedusa, em “O Leopardo”, talvez a mais importante de suas obras: “Tudo deve mudar para tudo continuar como está”. Uma das tristezas neste meu crepúsculo – tristeza que dói – é constatar que, no Brasil, tudo realmente muda, sempre muda – mas para piorar. Quando se imagina ter-se chegado ao fundo do poço – e já presenciei esse drama diversas vezes – eis que o poço sempre se nos apresenta mais fundo. É como se, desgraçadamente, não conseguíssemos aprender com lições do passado, com experiências anteriormente vividas. Esse caos desesperador a que nos atiraram não poderia ter acontecido. E não aconteceria num país que tivesse senso de História, que zelasse por seu patrimônio cultural, físico, espiritual. E moral.

O que nos falta? Melhor perguntando: o que AINDA nos falta? Dolorosamente, a resposta parece estar ainda na proposta do historiador – um dos primeiros deste país – Capistrano de Abreu, no princípio do Século XX. O grande homem propôs uma Constituição Federal que resolveria, certamente, nossos problemas crônicos. Ou hereditários. Propôs Capistrano que a Constituição tivesse apenas dois artigos:
“Artigo 1º – Todo brasileiro deve ter vergonha na cara”.
“Artigo 2º – Revogam-se as disposições em contrário”.

Mesmo assim, há que se entender o sentido, o significado de vergonha. Não se trata apenas de cometer algo desonroso. Trata-se, também, do sentimento de vergonha, de sentir vergonha. Somente sentindo-se vergonha do mal feito, do erro cometido é que se poderá tentar repará-lo. Quando não se envergonha da vergonha cometida, a consequência vergonhosa permanece. Se a maioria do povo brasileiro não se envergonhar diante da tragédia nacional, o fundo do poço estará mais distante ainda. Por que não se iniciar aqui, em Piracicaba, esse “mea culpa”, para um recomeço idôneo, inteligente, solidário?
Um primeiro passo seria, acredito eu, desarmarmo-nos de fanatismos, de radicalidades, de extremismos odientos que, inevitavelmente, nos conduzem a tudo isso que nos abate. E a mais do que podemos supor.
Admitir que errou mas não se redimir é, apenas, cultivar o erro cometido. E isso envenena. E, pior ainda, contamina.

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Cecílio Elias Netto

Cecílio Elias Netto

Jornalista e escritor

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