“Onde estiverem dois ou três…”

É sempre árdua a caminhada religiosa. Dúvidas, tentações, desânimos, decepções, cansaços, fraquezas, desilusões – a fragilidade humana torna-se permanente desafio para quem faz opções ou é agraciado pela escolha. Costuma-se dizer que três realidades não se discutem: futebol, política e religião. Acredito, porém, haja, nisso, confusão ou equívoco. Pois política, religião e futebol são essenciais na vida dos povos e que, por isso mesmo, devem ser estudados, discutidos, analisados, revistos. O que não se discute é o fanatismo. Que está presente nesses elementos despertadores de tantas paixões.
Nesse caos a que foi levado o Brasil, deveríamos apelar, insistentemente, para que especialistas sérios, competentes, isentos ocupassem as tribunas públicas em busca de esclarecer-nos diante de tantas vulgarizações. Entre os latinos principalmente, tudo parece misturar-se: futebol vira religião, religião torna-se jogo, política ora se faz jogo, ora se apresenta como questão de fé. Esperar venha a acontecer tal seriedade tornou-se, porém, uma outra utopia neste país à beira do abismo.
O saudoso bispo D.Eduardo Koaik sempre me dizia, como que me alertando: “Deus o persegue”. Demorei a entender. Há alguns anos, porém, dei-me conta de essa inquietação acompanhar-me desde a infância, acentuando-se na adolescência e juventude. Ora, somos, nós – pessoas com mais de 80 anos – testemunhas, espectadores e participantes das espetaculares transformações do e no mundo a partir da II Guerra Mundial. Também as religiões foram sacudidas, mantendo o essencial mas reinterpretando o circunstancial, aquilo que é renovável. Aprendemos apanhando, o sofrimento ensina.
Este, porém, não é meu espaço para tais elucubrações. Acontece que, no futebol, estou amargurado com o meu Corinthians, ainda sofrido com o meu XV. Na política, vivo a angústia de não saber para onde irá o imenso trem descarrilado. E, na religião, passei a ser um pedinte, aos céus, de prudência e de sabedoria. E é a ausência dessa sabedoria, essa perda da prudência que nos estão empurrando para conflitos previsíveis, mas imprevisíveis em suas consequências.
Discutir sobre abertura de igrejas e de templos num momento agônico como o que estamos vivendo – isso me parece não somente irresponsabilidade como falta de fé de quem patrocina a tragédia. Irresponsabilidade pelo desrespeito à ameaça mortal a que o vírus nos submete. E, também, falta de fé. Pois, na guerra – e é uma guerra, sim, o que estamos travando – igrejas, capelas, templos transformam-se em hospitais, em necrotérios, em prontos-socorros. Os povos oram com seus familiares, seus vizinhos, seus amigos, onde estiverem a dor e o sofrimento. Templos e igrejas são lugares de celebração em termos normais. A lição já nos foi dada por Aquele a Quem tanto pedimos:
“Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles.”
Loucura, oportunismo, ignorância, má fé?

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Cecílio Elias Netto

Cecílio Elias Netto

Jornalista e escritor

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