Calças zombam dos miseráveis

“Estar na moda” nada mais é do que entrar na manada. Perde-se a individualidade, abre-se mão da decisão própria. Nada mais é, pois, senão a aceitação de “ser massa”. E, portanto, disposto a ser manipulado. Na realidade, “estar na moda” é simples imitação. Kant, fílósofo ímpar, deixou escrito: “Moda é uma forma de imitação baseada na vaidade. Ninguém quer parecer inferior ao outros, mesmo nas coisas que não têm utilidade alguma. “Não estar na moda”, por outro lado, é assumir-se a si próprio, pensar por si mesmo, manter viva a capacidade de escolha, de decisão. Mas “cada um é cada um”, não é mesmo?

O pesaroso, todavia, está, muitas vezes, na ação criativa. Pois, levados a criar e a renovar constantemente, os “formadores da moda” são levados a romper toda e qualquer barreira em busca da “nova moda”. E podem – até mesmo sem tê-lo desejado – ser cruéis. As “calças rasgadas” – cada vez mais rasgadas – tornaram-se uma das seduções a que se submetem as nossas classes consumidoras. Antigamente, zombava-se quando “o roto falava do rasgado”. Roto e rasgado tonaram-se novas atrações dos vestuários atuais.

Mas qual é o sinal invertido que isso está mostrando? Qual a crueldade oculta nessa zombaria modernosa? Simples demais para ser ignorado: a pobreza e a miséria – dos que quase nada têm para vestir – servem de inspiração para alguém “aparecer, ser notado, estar na moda”. Uma melancólica anestesia moral coletiva abre, pois, fossos cada vez mais profundos na nossa escandalosa injustiça social.
Há muitas e muitas famílias que passam roupas de filhos mais velhos para os menores. Com rasgos, puídas. E há, sim, ainda quem as costure, remendando-as, ajustando-as. Nenhum pobre aceitaria, de segunda mão, uma dessas calças rasgadas que as moças modernosas usam. A menos que eles quisessem, então, entrar “na moda”, zombando de si mesmos. Há, sim, uma crueldade implícita nessa moda das calças rasgadas. O rico acha bonito comprar roupas rasgadas. O pobre chora quando se rasga a única que ele tem.