“Quem pariu Mateus que o embale”

O Brasil não está sendo envergonhado diante do mundo. Pois o país Brasil continua maravilhoso, “gigante pela própria natureza”. A vergonha recai sobre o Brasil como nação, humilhado e apequenado por parte de seu próprio povo. Convicto estou de tratar-se apenas de parte de nosso povo, não sei, ainda, se formada por desinformados, ignorantes ou movidos pela má fé. Pois é impossível, parece-me, pessoas conscientes e responsáveis terem escolhido o próprio suicídio.
Nunca vimos nada igual. Nem nos anteriores mais difíceis momentos, que foram muitos. Sinto-me no direito e no dever de dizê-lo, pois há 65 anos acompanho e vivencio essa nossa saga em busca de uma nação digna e justa. Regredimos. E muito. Quando acreditamos ter recuperado as instituições democráticas, quando acreditamos no retorno das Forças Armadas às suas verdadeiras e constitucionais responsabilidades – eis que, por uma tragédia provocada e anunciada – ressurge um perigoso e deletério espírito militarista. É como se houvesse uma revanche, raivosamente desempenhada por órfãos da ditadura, por viúvas dos terríveis anos de chumbo.
Não podemos responsabilizar apenas o homem que ocupa a presidência da República. Ele é exatamente o que sempre foi. Ele cumpre exatamente aquilo que sempre pregou, num ódio visceral aos direitos humanos e à ordem democrática. A responsabilidade – e eleitores responsáveis haverão de fazer o “nostra culpa” está naqueles que o elegeram, por qual motivo tenham-no feito. A democracia exige liberdade responsável. Não podemos, pois, darmo-nos ao luxo de tratá-la infantilmente. Já fôramos advertidos antes pelo notável tribuno Otávio Mangabeira: “A democracia é uma plantinha tenra que precisa ser regada e cuidada diariamente.”
O país Brasil continua “impávido, colosso”. Mas a nação brasileira está gravemente enferma. Por descuido, por desprezo, por indiferença dos que geraram o carrasco. O mais honesto seria cobrar deles o preço dessa derrocada: “Quem pariu Mateus que o embale”. Mas seria ainda mais desastroso. O certo, o urgente, o essencial é lutar para a nação sobreviver ao naufrágio. Como? Ora, como já foi feito antes: indo às ruas, batendo panelas, mostrando que a democracia é, sim, o “governo do povo, para o povo, pelo povo.” E com o povo.

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Cecílio Elias Netto

Cecílio Elias Netto

Jornalista e escritor

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