Um povo no Calvário
Uma das grandes e dolorosas farsas a que estamos submetidos é a de rotular a civilização ocidental de cristã. O mais verdadeiro seria reconhecer ser uma civilização onde há, sim, cristãos, mas aprisionada a uma estrutura perversa de materialismos e de ódios. Em especial neste tão violentado Brasil, cujas grandezas continuam exploradas por poucos, embora destinadas à formação de um povo humilde e generoso.
O mundo ocidental é uma criação do Cristianismo. A nossa história é uma saga de mártires, de heróis, de santos que – enfrentando malfeitores – espalharam sementes que se anunciaram como esperança de um mundo novo, o Novo Mundo. Foi a luminosa utopia da fraternidade sonhada, vivida e propagada a partir de mosteiros, de peregrinos, de mendicantes – inspirados por visionários como Santo Agostinho, São Domingos, São Bento, São Francisco. A partir deles, as ordens agostinianas, dominicanas, beneditinas, franciscanas cultivaram a mensagem cristã criadora do mundo ocidental. E, desse mundo católico, surgiram sementes outras que divergiram neste ou naquele aspecto, mas que trouxeram a mensagem do homem que morreu no Calvário. Protestantes, metodistas, presbiterianos, luteranos, calvinistas, batistas, muitos outros, trazem essa mensagem de fé, de esperança, de caridade.
Nesta sexta-feira – a chamada Sexta-Feira Santa, da Paixão – memoriza-se a consumação do sacrifício do Cristo, o anunciador do Reino dos Céus. Que começa, sim, na Terra, pois é o que os cristãos invocam na oração comum: “Venha a nós o Vosso Reino”. Infelizmente, porém – apesar desses dois milênios de história cristã – estamos distantes, muito distantes do ideal cristão de sociedade, de povo. Sistemas econômicos, regimes políticos, ambições ditatoriais, a cega busca do poder pelo poder ainda permitem que biliões de seres humanos conheçam apenas a dor e o sofrimento neste que existe para ser o paraíso terrestre. É como se, até aqui, o domínio de um poder mesquinho pertencesse apenas aos anjos decaídos.
E, desgraçadamente para nós, o Brasil – entregue a mãos incompetentes, a almas más, a espíritos diabólicos – é o exemplo, nesta Sexta Feira da Paixão, de Cristo estar encarnado na alma de um povo levado ao Calvário. Se Cristo morreu para nos indicar um caminho de alegria e de comunhão, o Brasil é vítima daqueles que tomam Seu nome em vão e impiedosamente. O povo brasileiro não vive, neste dia da Paixão, apenas a memória. O povo brasileiro está pregado na cruz. A esperança, como sempre, está na ressurreição. Mas quando?
Cecílio Elias Netto
Jornalista e escritor