Prece na pandemia

Recentemente, perguntou-me, um amigo, o que pensava, eu, de um ateu. Não sei se ele se referia a si mesmo. “Tenho pena dele.” – respondi. Pois, na realidade, lembrei-me de mim mesmo, da juventude explosiva daquelas duas décadas, 1950/70. Ser ateu era alinhar-se à fina flor da intelectualidade mundial. Ler Sartre, Simone de Beauvoir, Camus, discutir Existencialismo, amar Che Guevara, apaixonar-se por Fidel Castro, a “latinidade”, Mercedes Soza, Régis Debray, Camilo Cienfuegos, o padre socialista Camilo Torres – em Cuba, parecia acontecer-nos o “novo homem”, o mundo renovado.

Lembro-me de, no auge daquele fervor, falar a meu pai que, atendendo a um apelo mundial de Fidel Castro, eu resolvera ir a Cuba. Ora, fazer o quê? Claro que cortar cana, aumentando a produtividade cubana de açúcar diante do boicote dos Estados Unidos. E, serenamente, meu pai me falou: “Não precisa ir a Cuba, filho. Se você quer cortar cana, fique aqui mesmo. Sou amigo de Mário Dedini, de usineiros, sei que eles irão lhe dar um lugar…” Todo o meu sonho desmoronou. E continuei, com meus amigos, tomando Cuba Libre, no Bar Giocondo, reduto dos revolucionários pobrezinhos.

Nunca consegui acreditar num ateísmo verdadeiro, consciente. Ateísmo panfletário, ressentido, amargo – esse, sim, conheci-o bem. Por isso, ainda agora, sinto pena de quem se declara ateu. Conheci essa solidão, o vazio tão triste. E, quando me revi, entendi a lição de Blaise Pascal: o ateu vive a pobre realidade de tudo o que é finito; tudo acaba com a morte. O homem de fé descortina a possibilidade do infinito dele próprio, de algo além, ainda que desconhecido. Desisti de ser ateu até mesmo por comodismo. E acreditei não sei se por considerar-me burro demais para negar o transcendental ou por, enfim, ter um lapso de inteligência reconhecendo a minha incapacidade humana de entender o incognoscível. Basta um céu límpido, em noite estrelada, aquela miríade de luzes para, então, reconhecer-se como poeira de estrelas.

Creio, pois, num Criador e não me importa o nome que se Lhe dê. Tornei-me, há algumas décadas, homem de oração. Em particular, com familiares, silenciosamente. Nessa pandemia de tantos horrores, uma prece me escapa do coração a todo momento: “Que eu tenha prudência e sabedoria”. Para entender, enfrentar, suportar e esperar pelo que virá. Apenas isso. De que mais precisamos num momento tão angustiante para todos nós? Todos, não. Há, ainda, quem insista em ser imprudente e estúpido, mesmo diante de uma dor agora universal. Prudência e sabedoria, cada vez mais…

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Cecílio Elias Netto

Cecílio Elias Netto

Jornalista e escritor

4 comentários

  1. André Araújo em 5 de março de 2021 às 07:46

    Sou de 2 gerações posteriores e me vi neste texto. Te admiro, Cecílio.

    André L. L. Araújo

  2. José Carlos em 5 de março de 2021 às 08:47

    Bom dia!!! Para mim, Cecílio Elias Neto é o maior Cidadão Ilustre de Piracicaba. É digno de escrever em qualquer jornal do País.
    Além disso é um cronista excepcional. Agora poderemos diariamente desfrutar do seu conhecimento, através do Blog do Cecílio http://www.cecilio.blog.br

  3. Flavio em 5 de março de 2021 às 08:53

    Nobre pensamento deste nosso sábio da aldeia, inigualável Cecílio.

    Flávio.

  4. Marcelo Basso em 5 de março de 2021 às 09:10

    bom dia meu caro,
    Sinto meu inabalável ateísmo cada dia mais arraigado, mas ler essas suas palavras me causam um alento n’alma.
    Um fraterno abraço

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