Uma cesta-doação, apenas uma

Aquela frase do filósofo Terêncio – quase 200 anos antes de Cristo – a mim sempre me perturbou: “Sou humano, nada do que é humano me é estranho”. Ainda não consegui entendê-la. Pois, sabendo ser, eu, humano, sempre estranhei muita coisa. E não sei quanto ainda estranho. E sinto estranhar cada vez mais. Como é possível haver tanta desumanidade no ser humano? E tanta estupidez? E, ao mesmo tempo, tanta grandeza, tanta solidariedade?
Muitas e muitas vezes, ao longo dessa longa jornada de escrevinhação, senti desânimo, a vontade de desistir. Agora mesmo, ao ver a foto de Madalena estendida no chão, a violência de que foi vítima, a crueldade com que a sacrificaram – veio-me a vontade de desanimar. Como é possível tanta crueldade? E a morte daquele menininho, Henry, sendo suspeitos o padrasto e a própria mãe? Será que há algo de correto naquela seita que admite a existência de dois deuses – um do Bem, outro do Mal – ambos poderosos? É martirizante assistir a tudo isso, numa escalada de brutalidade cuja rapidez assusta.
Para superar essas crises de angústia, de dúvida, de indignação, acabei adotando uma comparação que me impede, pelo menos, de desanimar. É quando, então, penso em Hitler, em Stalin, esses genocidas que parecem ter feito herdeiros no Brasil. Penso neles e, imediatamente, desvio o pensamento para outro lado, em paralelo: penso em Francisco de Assis, em Gandhi, em Mandela, em Tereza de Calcutá. E a alma pacifica.
O vírus trouxe-nos a face amargurante, destruidora da existência. Mostrou-nos que viver é, sim, lutar. Que há um darwinismo também humano, que impele a batalhas sem fim pela sobrevivência. O vírus desafia-nos propondo a inexorável lei do mais forte: quem é o mais forte, o vírus ou o homem? A luta, a guerra foi desencadeada. E o homem haverá de vencê-la com o tesouro que a natureza lhe deu, que é o da inteligência, criadora da ciência.
Como sempre, conseguimos fazer limonada de limões. E Piracicaba é geneticamente caridosa, apesar de hitlerzinhos sempre surgirem ao longo do tempo. Nesta pandemia, Piracicaba assume a sua vocação histórica para a solidariedade, com doações, com movimentações generosas, como essa promovida por mulheres piracicabanas.
Faço, apenas, uma sugestão. Que consigamos dar mais pessoalidade a esses auxílios emergenciais tão fraternos. Que, com uma cesta-doação, apenas uma cesta, possamos levar, também, uma palavra de esperança, de conforto a quem recebê-la. Uma cesta-doação custa apenas cerca de 60 reais. E se, participando desse verdadeira confraternização, complementando-a, cada um oferecesse a sua cesta à pessoa mais próxima, aquele conhecido em dificuldades, aos domésticos, familiares de domésticos que conhecemos? Uma cesta-doação, apenas uma, e eis a boia salvadora lançada ao náufrago desse tsunami pavoroso.

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Cecílio Elias Netto

Cecílio Elias Netto

Jornalista e escritor

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