Quer o AI-5? Seja anátema!

Percebo, cada vez mais, ao escrever, precisar de preâmbulos e de notas de rodapé. Pois não consigo conviver com tanta estupidez de gente de quem se espera responsabilidade e governança. Permita-me, o eventual leitor, apenas um pequeno retrato. Em 1968 – quando foi editado o monstruoso AI-5 pela ditadura militar – o ex-capitão ocupante do Palácio do Planalto tinha apenas 13 aninhos de idade. Deveria, então, estar jogando bola com amigos, sonhando com algum namoro ou, até mesmo, brincando com revólver, de bandido e mocinho.

De minha parte, o ato assassino alcançou-me aos meus já 28 anos, casado, com dois filhos, jornalista, dono de jornal, um livro publicado. Naquele dia fatídico, o Bispo Aníger Melilo foi buscar-me em casa, querendo proteger-me, levando-me ao Seminário Diocesano na Nova Suíça. Ele já sabia do início da caça às bruxas, da instalação do terror. Acontecera o que o vice-presidente de Castelo Branco, Pedro Aleixo, vaticinara: “O perigo das ditaduras está no guarda da esquina.” Tínhamos sido jogados a um país sem lei, sem justiça, sem direitos, forçado a submeter-se aos coturnos dos militares. Antes do golpe, um notável senador, Auro de Moura Andrade, protestara contra a prepotência de um soldado: “Farda não é toga!”

Como se vive num país sob a tirania, sem lei, um país onde a tortura se tornara a mais terrível forma de interrogatório, onde qualquer um podia ser detido sem culpa formada, sem suspeição? Não vivemos. Lutamos para sobreviver e, nesses anos, o ex-capitão devia estar brincando de soldadinho, de bandido e de mocinho. E ainda não gerara filhos que enaltecem e querem de volta a ditadura. Sou – entre muitos ainda vivos – testemunha do que houve. Minha vida e a de meus familiares foram irremediavelmente marcadas por aquelas perseguições, processos, detenções e prisão.

O AI-5 foi uma maldição que caiu sobre este país semeando o terror, ódios e vinganças. São inesquecíveis as tétricas figuras de militares desumanos – em especial, Costa e Silva e Médici. Como inesquecíveis são as crueldades sem nome cometidas por torturadores desalmados e cruéis como Sérgio Paranhos Fleury e Brilhante Ustra. Esse Brilhante Ustra, carrasco notório, é, ainda hoje, reverenciado pelo ex-capitão hospedado no Planalto.

Para quem defende o AI-5, para quem pretende uma nova edição dele – só há uma reação a fazer: seja anátema! Sim, o anátema das religiões, a excomunhão, a maldição. Ele é movido pelo ódio. E se revela ainda mais perigoso porque motivado pela ignorância. Já carrega, em si mesmo, a maldição. Quer o AI-5? Seja anátema! Para sempre.

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Cecílio Elias Netto

Cecílio Elias Netto

Jornalista e escritor

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