E a serpente saiu do ovo

Cada ser humano tem a sua dignidade pessoal. Cada qual, pois, é responsável por mantê-la, aprimorá-la ou perdê-la. Há, portanto, que se respeitá-la. No entanto, não há como respeitar ações realizadas que não tenham qualquer sentido moral ou que atentem contra a ordem social e jurídica. A questão é complexa, mas simplificada quando se trata de casos concretos. Ora, não se pode respeitar ações de indivíduos que atentem contra as liberdades humanas como já está acontecendo no Brasil. E como se vai agrando.
Na realidade, desde o início da presidência atual, já se anunciava o ovo da serpente. E essa expressão – ovo da serpente – foi mundialmente assumida após o notável filme de Ingmar Bergman, com o mesmo nome, relatando como e em que ambiente se organizou o nazismo na Alemanha. Trata-se de um verdadeiro roteiro para se prevenir contra os sórdidos golpes de extremistas contra as liberdades humanas. O ovo se rompe e a serpente surge exatamente quando há condições socio-econômicas propícias: alta taxa de desemprego, instabilidade política, insegurança social, depressão econômica. Não parece um retrato do Brasil atual?
O fato é que a serpente saiu do ovo e começa a agir nas ruas. Aparenta ser algo espontâneo, mas não é. Há um projeto, um esquema. E a mobilização se dá entre o que se chama “analfabetos políticos”, os que se deixam seduzir por frustrações, ressentimentos, ódios, vinganças. Era, já, uma violência anunciada. O neofascismo estava sendo abertamente declarado desde as entranhas do governo até as redes sociais. Mas a história, neste nosso país aviltado, parece nada significar, nem mesmo como advertência. Que loucura é essa – ou será mesmo um esforço para o suicídio coletivo – não se constatar que o lema anunciado pelas ruas, em faixas, em cartazes, aos berros nada mais é do que o do fascismo? É histórico: “Deus, Pátria e Família”, o lema falacioso dos extremistas da direita, dos neofascistas. E já estava disfarçado no próprio dístico do governo: “Deus acima de todos; Brasil, acima de tudo.”
Aliás, uma declaração de burrice monumental: ora, se o Brasil está acima de tudo, logo estaria, também, acima de Deus. O fato é que o ovo já gerou a serpente. E será uma tragédia se o Brasil admitir ser destruído por governo e militantes analfabetos políticos. Quem viver verá.

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Cecílio Elias Netto

Cecílio Elias Netto

Jornalista e escritor

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