Apenas outra páscoa dolorosa

Quando – em relação à pandemia – começaram a dizer “vai passar”, nada mais faziam do que identificar a crise: uma páscoa. Pois páscoa significa passagem. E toda páscoa é dolorosa, a passagem dolorosa. É óbvio que irá passar. Mas a que preço? E o que sobrará após o dilúvio? E quem irá arrepender-se de suas falhas, de sua omissão, de sua conivência?
Ora, arrepender-se é reconhecer a própria culpa, seus erros e equívocos. Trata-se, pois, de atos de humildade, sem a qual tudo será hipocrisia ou, mais outra vez, vantagens do mal realizado. Haveria humildade numa era em que o mais importante é, realmente, “levar vantagem em tudo”? O humilde não iria sentir-se um perdedor, um derrotado diante da pequena multidão de vencedores que não diferem a pedra do humano?
Páscoas anunciam ressurreições, retomadas, ressurgimento. Entre humanos, não significam milagres ou espera de intervenções divinas. Páscoas são o reinício consciente, no somatório de experiências anteriores. Por isso, o passado não é apenas aquilo que passou, mas o que ficou. A quase sempre tola expectativa de futuro impede – quase sempre também – a ação do presente. Não somos o que seremos, o que viremos a ser. Somos o fruto do passado com a responsabilidade de agir no presente, na atualidade. Se tivermos consciência de onde, de quando ou porque erramos – eis aí, então, a possibilidade de se tentar novamente, levados pela experiência de nossos acertos e erros.
Essa nossa páscoa dolorosa cobrará um preço de cada um de nós. O primeiro deles é o de reconhecer, de admitir não estarmos sozinhos no mundo. Nem de sermos os reis, os donos da criação. Reconhecer-se parte, ver-se no todo, aceitar a nossa interdependência. Na mais profunda análise que fizermos, entenderemos tratar-se de uma utopia, de um sonho. No entanto, é mais verdadeiro acreditar na possibilidade de uma ressurreição do que apenas aceitar a morte desesperada nessa cruz que o vírus e os desgovernos nos trouxeram.
Não creio mais em soluções globais. Creio, porém, que a grande, a verdadeira resposta esteja no esforço de construirmos comunidades, por menores sejam elas. Na família, no quarteirão, no bairro, nas associações. É o espirito do cooperativismo, do comunitarismo, da solidariedade. Num naufrágio, nem todos conseguirão salvar-se. Mas os sobreviventes ganharão a sabedoria de entender que, salvando-se, poderão somar a experiência da dor e do sofrimento. E, então, darem-se as mãos.

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Cecílio Elias Netto

Cecílio Elias Netto

Jornalista e escritor

1 comentário

  1. LUÍS ANTONIO RÉ em 18 de março de 2021 às 09:09

    Nossa páscoa dolorosa cobrará um preço de cada um de nós. O primeiro deles é porque não admitimos não estarmos sozinhos no mundo. Sempre achando que somos donos do mundo, sem respeitar nossa comunidade, nossa família, …

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